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Genocídio Ocultado - Recensão Crítica by Jorge Santos Silva

 

"Le Génocide Voilé - Enquête Historique"

"Le Génocide Voilé - Enquête Historique" é uma obra seminal que aborda um dos capítulos mais sombrios e pouco discutidos da história humana.

O livro "Le Génocide Voilé - Enquête Historique" de Tidiane N'Diaye debruça-se principalmente sobre o genocídio perpetrado contra os povos africanos ao longo da história, com um foco especial na escravidão árabe-muçulmana. O autor examina como é que este genocídio decorreu ao longo dos séculos, afetando profundamente as populações negras da África.

O livro é o resultado de uma investigação profunda conduzida pelo autor Tidiane N'Diaye um historiador, antropólogo e escritor senegalês. Em "Le Génocide Voilé - Enquête Historique", Tidiane N'Diaye investiga e documenta meticulosamente o conceito de “genocídio velado”, revelando eventos de extermínio e violência em massa que ocorreram sob o véu da ocultação ou da indiferença internacional e ainda hoje, pouco detalhados e conhecidos pelo publico em geral. O livro não relata apenas esses eventos traumáticos com detalhes impressionantes, mas também os contextualiza dentro de um enquadramento global mais amplo, examinando as suas implicações políticas, sociais e humanitárias.

Na minha perspetiva, este livro representa uma contribuição fundamental para o campo da história contemporânea, onde este tema específico frequentemente é negligenciado ou esquecido pela memória coletiva.

Tidiane N'Diaye, através desta obra, oferece-nos uma perspetiva inovadora que não apenas honra a memória das vítimas esquecidas, mas também desmistifica o papel dos governantes e das tribos locais no flagelo da escravidão. A literatura que aborda o tema sob esse prisma, é escassa, mas obras como "Os Mercadores de Escravos Árabes" de Robert O. Collins, "Os Africanos: Uma História Triunfante" de Ali Mazrui e "The African Slave Trade: The Islamic Connection" de John Alembillah Azumah são exceções notáveis. Estes livros também exploram a complexidade do tráfico negreiro árabe-muçulmano e corroboram, em toda a linha com esta investigação de N'Diaye, ajudando a construir uma compreensão mais completa e multifacetada dessa tragédia histórica.

Ao explorar este livro, deparei-me com narrativas profundamente impactantes que abordam a crueldade extrema e a complexidade da história humana, o que ampliou consideravelmente as questões que inicialmente me propus investigar.

• Será que apenas nós, ocidentais, carregamos a consciência dos erros passados?

• Será que somos os únicos a ser o 'Prometeu acorrentado', suportando o fardo da malignidade humana, enquanto outros parecem escapar da escrutinação? Por que será?

É inegável que o "velho mundo" carrega a responsabilidade por uma das eras mais sombrias da história da humanidade, mas também é inegável através de pesquisas como estas de N'Diaye que a escravidão já se tratava de uma prática estabelecida e exacerbada pelas invasões árabes desde o século VII muito antes da “chegada do europeu”.

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Pergunto-me então por que não falamos dessas histórias ocultas? Será que os ocidentais temem que, ao discutirmos esses "temas colaterais," sejamos acusados de desviar a atenção de eventos de maior magnitude, em busca de algum tipo redenção moral?

E, afinal, quem somos nós quando utilizamos o termo "nós"? Como definimos a linha que separa o opressor do oprimido? Que cor dissolve o sangue oculto que nos une?

Durante as minhas pesquisas em bibliotecas e motores de busca, sobre obras complementares à que estamos a analisar, deparei-me com diversos autores que se debruçaram sobre esse tema. A meu ver ainda parcos, mas suficientes para lançar alguma luz mais esclarecedora sobre essa realidade, envergonhada e ainda muito oculta. Alguns deles já fiz referência anteriormente neste trabalho.

No entanto, ao mudar o meu foco de pesquisa de “escravidão subsariana” para “escravidão atlântica” no Google Scholar ou noutras plataformas semelhantes, observei um aumento exponencial e uma quantidade incomparável de trabalhos, publicações, dissertações, livros e enciclopédias disponíveis. Questionei-me! Se apenas o destino difere, enquanto a origem permanece a mesma, por que o interesse sobre o tema é extraordinariamente maior num tópico do que no outro? Será que estamos restritos por agendas de interesses académicos e políticos?

Será que a origem não tem importância, e somente o destino importa, como se o africano traficado para as Américas fosse "mais digno de estudo" do que o seu semelhante destinado à África Islâmica Subsariana?

Será que dentro desta falta de humanidade, alguns seres são objeto de arremesso emocional enquanto outros são literalmente relegados ao esquecimento absoluto?

Por tudo isto é que a investigação da escravidão subsaariana é essencial, diria mesmo fundamental, para reconstruir histórias negligenciadas, entender as origens das dinâmicas globais da escravidão e promover uma narrativa mais verdadeira da história africana. Ao examinar estes aspetos, podemos desafiar melhor os estereótipos, informar políticas contemporâneas e contribuir para uma compreensão mais profunda das raízes históricas dos problemas sociais atuais.

Jorge de Santos Silva

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Resumo Crítico.

O comércio de escravos teve um papel crucial na história global, não apenas na movimentação de pessoas entre continentes, mas também na configuração de economias e sociedades ao longo dos séculos. Esta revisão crítica pretende compilar e analisar informações específicas sobre o comércio de escravos árabe-muçulmano, sublinhando os seus diferentes impactos sociais, económicos e humanitários.

O tráfico de escravos teve um impacto devastador nas populações africanas, não apenas devido à perda de indivíduos, mas também à rutura das estruturas sociais e culturais locais. A captura e exportação de milhões de africanos afetou profundamente as dinâmicas demográficas e económicas do continente, contribuindo para séculos de desestabilização e subdesenvolvimento em várias regiões que ainda hoje se fazem repercutir.

O autor oferece uma análise abrangente sobre a história da escravidão, destacando-a como um fenómeno global que atravessou diferentes épocas e culturas. Desde os tempos antigos, vestígios de práticas escravistas são encontrados em várias sociedades africanas e no contexto europeu, onde gregos e romanos foram atores significativos nesse sistema.

A primeira grande civilização a sociedade mesopotâmica 4.000 anos B.C, já era baseada numa estrutura social hierárquica onde a escravidão era uma instituição comum, esse facto agravou-se com as invasões Árabes e Islamização no século VII que relegou os negros para o fundo da pirâmide social (p.119). Os números não são precisos, mas estima-se que até ao seu declínio no século XIII se tenham escravizado milhões de negros. Dados mais recentes afirmam que em 14 anos, entre 869 e 883, terá provocado em terras islâmicas, de acordo com os historiadores árabes, de 500 mil a dois milhões de vítimas escravizadas (P.119).

Já no tempo de Heródoto se relata que os norte-africanos realizavam razias (p.16) às populações Tubus, desde o Níger até a região do Tibesti, no Chade. Uma parte significativa desses combatentes africanos acabariam por serem escravizados e juntarem-se às tropas de Aníbal durante a invasão da Itália durante a Segunda Guerra Púnica.

Durante as suas conquistas, os Romanos, em particular, transformaram muitos prisioneiros em (servus) escravos. A revolta liderada por Espártaco é um exemplo marcante dessa prática, ilustrando a vasta quantidade de escravos na Roma Antiga, que podiam representar até 30% da população em determinado momento, aliás esta revolta acabou com a crucificação de 10.000 homens e mulheres por Licínio Crasso em 71 A.C. (p.13).

Com a expansão romana para a região setentrional de África, o comércio de escravos intensificou-se. Os romanos estabeleceram relações sólidas com os africanos, especialmente com os guerreiros da tribo dos awragas. Assim, o tráfico de escravos foi impulsionado não apenas pela necessidade de mão de obra para a produção, mas também pela procura de escravos para os haréns do Oriente.

No Antigo Egito, os escravos estrangeiros eram comuns, sobretudo aqueles que eram capturados durante as campanhas militares ou oferecidos como tributo. As grandes

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descobertas do século XIX confirmaram que, ao longo de todas as épocas do Antigo Egito, existiram homens escravizados obrigados a trabalhar gratuitamente para outros (p. 16). Além disso, os relatos bíblicos da servidão do povo hebreu, há mais de 3.300 anos, descrevem a escravização de centenas de milhares de hebreus ao longo de várias gerações.

Já na Idade Média, na Europa, também foi marcada pelo tráfico de escravos, onde árabes muçulmanos, judeus e outros grupos estiveram envolvidos. O Mediterrâneo é descrito como um cenário onde prisioneiros eslavos eram capturados e vendidos em grandes quantidades especialmente para mercados do Mediterrâneo e do Médio Oriente. Devido à frequência com que os eslavos eram capturados e vendidos como escravos, o termo "sclavus" passou a ser associado não apenas ao grupo étnico, mas também ao estado de servidão.

O autor ressalta a escravidão como uma característica fundamental ao longo da história humana, em que o vencedor subjuga o vencido, uma prática que transcendia fronteiras geográficas e culturais. Tanto cristãos quanto muçulmanos estiveram envolvidos no comércio e na prática da escravidão.

Mas foi em África particularmente que a escravidão assumiu diversas formas ao longo da história. O autor coloca uma ênfase particular no tráfico negreiro árabe-muçulmano, que durou cerca de 13 séculos e teve um impacto devastador na população negra do continente africano. O autor argumenta que essa tragédia superou em número de vítimas, duração e horrores tudo o que aconteceu anteriormente. Além disso o autor também afirma de forma inequívoca, que o comércio de escravos árabe-muçulmano e as jihads (guerras santas) promovidas pelos seus impiedosos predadores para capturar prisioneiros, foram muito mais devastadores para a África Negra do que o tráfico transatlântico (p.9).

O texto enfatiza a brutalidade dos métodos utilizados pelos negociantes árabes para obter escravos, incluindo a manipulação das tribos locais para promover conflitos internos e facilitar a captura de prisioneiros. A citação direta de Stanley, ao descrever como a população de uma região foi drasticamente reduzida devido à ação dos negreiros árabes, reforça a magnitude dos danos causados pelas suas práticas desumanas (p.125). Ao revelar estes horrores do tráfico árabe-muçulmano, o autor não apenas denuncia a escala massiva da tragédia humana, mas também critica implicitamente a cumplicidade de figuras históricas importantes, como Mehmet Ali do Egito, que regulamentaram e lucraram com esse comércio desumano (p.127). Através da expansão islâmica, os árabes conquistaram vastas regiões, incluindo a Núbia, e escravizaram numerosos povos africanos. Os núbios, submetidos à superioridade numérica árabe, acabaram por negociar um tratado que os obrigava a entregar anualmente centenas de escravos aos muçulmanos.

A escravidão em África, desde os tempos antigos até à era árabe, manifestou-se em diversas formas e foi impulsionada por várias necessidades económicas e sociais, perpetuando-se ao longo dos séculos. As sociedades africanas pré-coloniais, como foi observado pelo Dr. Livingstone, eram indubitavelmente marcadas por profundas desigualdades. Relatos dos primeiros ocidentais a explorar a África Negra, corroborados pelos testemunhos dos quimbandas, indicam que cerca de um quarto da população masculina tinha o estatuto de cativo ou trabalhador forçado, totalizando aproximadamente 14 milhões de indivíduos nesta

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condição (p.17). confirmando que esta prática já era muito usual bem antes da chegada dos europeus e muito instigada pelos árabes.

A severidade do sistema de escravidão nos reinos africanos pré-coloniais era notável, algumas extremamente cruéis, os relatos abundam sobre a ferocidade de certos monarcas, especialmente nos reinos da África Central. Por exemplo, na corte do rei Mtéza, Stanley descreve como o monarca, para satisfazer caprichos simples, ordenava a execução de centenas de cativos. Quanto às mulheres do seu harém, era comum serem levadas diariamente para o matadouro, arrastadas pelos guardas com uma corda presa ao pulso, sem que ninguém ousasse intervir contra o carrasco temido.

No Daomé (atual Benim), por ocasião da morte de um rei, erguia-se um cenotáfio cercado por barras de ferro, contendo uma urna de terra cimentada com o sangue de cem cativos sacrificados, destinados a servir o soberano no além. Durante as festas conhecidas como 'Grandes Costumes', centenas de cativos eram decapitados de uma só vez para levar ao rei defunto a notícia da coroação do seu sucessor. (p.33).

Aliás o autor relata alguns dos “Grandes Reis” africanos envolvidos no comércio de escravos, de todos destaca o rei Ghezo de Daomé, que reinou de 1818 a 1858 e foi conhecido por ter expandido significativamente o comércio de escravos do seu reino. Outro exemplo é o rei Osei Tutu, fundador do Império Ashanti, na atual Gana. Embora tenha governado no final do século XVII e início do XVIII, o Império Ashanti continuou a participar no comércio de escravos ao longo dos séculos seguintes. O rei Tegbesu de Daomé, que reinou de 1740 a 1774, também promoveu o comércio de escravos como uma das principais fontes de rendimento do reino. Nzinga Mbemba do Congo, que governou no início do século XVI, adotou inicialmente o cristianismo e estabeleceu relações com os portugueses, mas o comércio de escravos tornou-se uma prática estabelecida durante o seu reinado, com muitos dos seus súbditos a serem capturados e vendidos. Mansa Musa, também conhecido como Musa I do Mali, foi o governante do Império Mali na África Ocidental durante o início do século XIV (cerca de 1312 a 1337). Ele é amplamente conhecido pela sua imensa riqueza e pelo impacto cultural e económico do seu reinado, particularmente devido à sua famosa peregrinação a Meca em 1324, que demonstrou a vasta riqueza de Mali e elevou o perfil do império a todo o mundo islâmico. Esses exemplos demonstram como o comércio de escravos era uma prática comum entre alguns dos mais influentes governantes africanos da época.

Esta prática levada a cabo por estes reis africanos contradiz a versão politicamente correta da história sobre a responsabilidade da Europa no tráfico negreiro. Na verdade, muito antes dos primeiros europeus desembarcarem em solo africano, a escravidão já existia e foi fortemente exponenciada a partir do século VII pelas conquistas árabes. Na verdade, quando os cristãos chegaram no século XV, a África Negra já era assolada há cerca de 900 anos pelos árabes muçulmanos que utilizaram frequentemente táticas de destruição massiva, seguidas de submissão de prisioneiros capturados nas suas conquistas (p.17).

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Entre os principais atores, como referido anteriormente, os árabes desempenharam um papel significativo na escravização das populações africanas, atuando como piratas que sequestravam mulheres e crianças de aldeias senegalesas e malianas. Conforme descrito, "estes negreiros, berberes ou arabizantes do Norte e outros tuaregues, sequestravam as populações negro-africanas como piratas". Este envolvimento árabe é frequentemente subestimado na historiografia popular, mas é crucial para uma compreensão completa da dinâmica do tráfico de escravos. O comércio de escravos era extremamente lucrativo para os árabes e contribuiu substancialmente para o enriquecimento de várias cidades na região norte-africana.

Neste ponto o autor debruça-se sobre o impacto da chegada dos árabes ao continente africano. O texto descreve a chegada dos árabes como “uma desgraça para África” (p. 75), sublinhando o desprezo dos árabes pelos negros e as consequências nefastas que a sua presença teve na região. Efetivamente a conquista árabe de África começou na África Oriental, com a ocupação de Zanzibar por volta do século VII d.C., estabelecendo relações comerciais entre árabes, indianos e povos locais. Segundo o texto, "os primeiros invasores [...] começaram por tomar Zanzibar, na África Oriental, entre 615 e 620 da nossa era”. Esta ocupação não só estabeleceu uma rota comercial crucial, mas também facilitou a difusão cultural e religiosa, moldando significativamente as sociedades locais.

Zanzibar rapidamente tornou-se um mercado de exportação de escravos para o Golfo Pérsico, alimentando o tráfico de escravos para o mundo árabe-muçulmano onde milhares de indivíduos eram exibidos e vendidos, principalmente provenientes de regiões como Chire e Nyassa. A narrativa revela a desumanização dos escravos, que eram inspecionados como mercadorias. David Livingstone, o famoso explorador Escocês, expressou a sua tristeza com as condições encontradas na ilha, onde a higiene precária propiciava epidemias devastadoras. A cidade de Zanzibar, descrita como um importante centro comercial para marfim, especiarias, peles e escravos, era dominada por árabes e persas, com a participação passiva dos ingleses.

O comércio de escravos operava através de rotas comerciais que cruzavam o deserto do Saara, uma jornada marcada por condições extremas e muito perigosas. Muitos escravos não sobreviviam à travessia devido à fome, sede e exaustão. Os sobreviventes enfrentavam a realidade de serem vendidos como mercadorias em mercados escravistas, onde eram inspecionados e negociados conforme as necessidades dos compradores.

Antes da expansão do Islão, negros e árabes desfrutavam de uma convivência harmoniosa, após a expansão islâmica essa dita harmonia começou a diminuir, sendo substituída pelo desprezo, desconfiança e repugnância (p.143), especialmente com a importação em grande escala de escravos negros.

Teorias como a de Ibn Khaldun, um destacado pensador árabe-berbere do século XIV, exposta em sua obra de história universal, al-Muqaddimah (Os Prolegómenos), contribuíram significativamente para perpetuar estereótipos e influenciar diretamente um sentimento de desprezo e inferioridade em relação à raça negra. Esta influência foi tal que justificou a ideia de uma predestinação à inferioridade dos povos negros, na tentativa de legitimar este flagelo, baseada na narrativa bíblica de Cam, filho de Noé, onde seu filho Canaã foi profetizado como servo dos seus irmãos lá no Antigo Testamento da Bíblia, especificamente em Génesis 9:20-27.

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Contudo, foi o sábio e jurista Ahmed Baba (1556-1627), de Tombuctu, um fervoroso muçulmano, que refutou a teoria da “maldição de Cam”, argumentando que “Deus é demasiado misericordioso para condenar milhões de seres humanos pelo pecado de um único indivíduo”. Apesar disso, como muitos juristas e eruditos muçulmanos da época, Ahmed Baba não questionou a instituição da escravidão em si. Em vez disso, concentrou-se em estabelecer uma base jurídica e religiosa que a legitimasse, possibilitando a sua exploração pelos líderes africanos convertidos ao Islão. Essa distinção foi usada por líderes africanos muçulmanos, como Ousmane Dan Fodio e Elhadji Omar, para conduzir guerras santas e capturar pagãos para serem escravizados.

Os convertidos ao Islão, em muitos casos, não eram capturados e escravizados, pois a lei religiosa muçulmana, promovida por Ahmed Baba, proibia essa prática. No entanto, a distinção entre muçulmanos e não-muçulmanos permitia a captura e escravização daqueles que não professavam o Islão. Durante os séculos XVIII e XIX, muitos desses prisioneiros de guerra, que eram pagãos ou considerados não-muçulmanos, foram vendidos como escravos e deportados para lugares como o Brasil.

No início do século XIX, a Revolução Industrial propiciou uma mudança económica que favoreceu o movimento antiescravagista inglês. A revolução transformou as bases económicas e sociais, facilitando a emergência do movimento abolicionista na Inglaterra. O texto aponta que "no início do século XIX, a Revolução Industrial propiciava a reciclagem da economia produtiva, o que fez emergir um novo sector em detrimento da agricultura, em total perda de velocidade". Este contexto económico beneficiou figuras como Thomas Clarkson e William Wilberforce, que puderam contar com o apoio do mundo dos negócios para promover a causa abolicionista.

Apesar dos esforços de abolição, o comércio clandestino de escravos persistiu mesmo após a proibição oficial em várias partes do mundo árabo-muçulmano. Governos e mercadores continuaram a explorar brechas legais e redes secretas para manter o fluxo de escravos africanos, evidenciando a resistência às mudanças sociais e humanitárias.

O tráfico africano oficialmente durou até 1981, com a Mauritânia sendo o último país a declarar o fim da escravidão. Contudo, a prática persiste clandestinamente, especialmente em áreas rurais, onde se estima que até 20% da população seja vítima de escravidão moderna, sobretudo entre as comunidades negras. Além da Mauritânia, países como Sudão, Níger, Chade, Líbia e Mali enfrentam problemas graves de tráfico humano, trabalho forçado e outras formas de exploração, destacando-se a Líbia como um ponto crítico para migrantes vulneráveis sujeitos a diversas formas de abuso.

Em suma, Le Génocide Voilé - Enquête Historique" de Tidiane N'Diaye ilumina um capítulo sombrio e frequentemente esquecido da história: o genocídio contra os povos africanos, especialmente através da escravidão árabe-muçulmana.

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Ele desafia a narrativa convencional que responsabiliza exclusivamente os europeus pelo tráfico negreiro, mostrando que a escravidão era uma prática já estabelecida e exacerbada pelas invasões árabes desde o século VII. N'Diaye sublinha o papel ativo de muitos governantes africanos na perpetuação do comércio de escravos, evidenciando a complexidade e a profundidade do problema. A continuidade clandestina da escravidão até aos tempos modernos, mesmo após a abolição oficial, revela uma resistência persistente às mudanças sociais e humanitárias, mostrando que a luta contra essa prática desumana ainda não terminou.

A obra de N'Diaye não só honra a memória das vítimas esquecidas, mas também amplia a compreensão global sobre a extensão e o impacto da escravidão árabe-muçulmana em África, oferecendo uma contribuição vital para a história contemporânea e para o reconhecimento das tragédias humanitárias ocultas.

Obrigado

J.Santos-Silva

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