A tradição tomasina ensina-nos que a virtude e o vício não são meros comportamentos ocasionais, mas habitus — disposições estáveis da alma adquiridas pela repetição dos atos. São Tomás de Aquino, na Summa Theologica (I-II, q. 49-55), define o habitus como uma qualidade “difícil de remover”, que inclina o ser humano a agir de determinado modo. A virtude é, pois, o habitus boni , a disposição orientada para o bem conforme a razão e ao fim último; o vício é o habitus mali , o desvio reiterado que arrasta o homem para o prazer ilusório e a desordem moral. Esta distinção ganha vida concreta quando observamos que o bem e o mal não são apenas conceitos, mas ritmos que se instalam na alma . A consciência moral não desperta na abstração, mas no confronto com a prática, por isso o homem não se torna virtuoso por conhecer o bem, mas por praticá-lo continuamente, até que o agir reto se torne natural. Do mesmo modo, o vício nasce e cresce no quotidiano da repetição: cada ato injusto, cada ...
A Ira não é descontrole, nem grito lançado ao vazio. É luz clara numa noite turva, é o olhar que vê o que foi distorcido, o espelho quebrado que ainda reflete a verdade. Surge quando a manipulação envenena o santuário da razão e do afeto, quando o veneno dos outros circula silencioso e ameaça corroer a essência, a identidade. Não é desvio, nem falha moral — é defesa viva, a resposta imune de um corpo fatigado, que se ergue contra a infeção simbólica. A Ira dignifica-se na justiça do seu fogo, quando é limite que rasga a névoa, quando é rutura que liberta, quando não procura destruir, mas cortar — cortar o que oprime, cortar o que mente, cortar o que explora. Jorge Santos-Silva